segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Estava escrito no maço



“Não há dose segura para o consumo de nenhuma dessas substâncias”, disse Ele um dia, inundado de sinceridades e medos todos.
O doido de tudo aquilo era que não havia tanto tempo para ter se constituído tamanho vício, tanto desejo dos dois, tanto encantamento. Talvez Ele tivesse mesmo razão quanto ao potencial de viciar das substâncias geradas entre eles. Mas, mesmo depois da advertência, lá estava a vontade enorme de tragar de novo.  Tragaram aos olhos dos passantes. Uma dose mais, era no fundo o esperado por Ela daquele dia encerrando-se em fervura de corpos, mas que a fria madrugada equidistante fez questão de apagar. O que terá se dado na cabeça dele naqueles últimos cigarros do maço? Para onde foram os sinais de fumaça que se mesclavam nos poucos grisalhos daqueles cabelos? Por que não se ouvia mais músicas com cheiro de nicotina e sabor de beijos quentes? Não sei. Talvez Ela saiba. Entretanto, Ela não quer saber de tamanha lógica, prefere o sentir e o lembrar. O único que soube por tê-la ouvido contar, é do que ficou nela. Restou a lembrança do odor de poesias pensadas e vividas em arrepios incontroláveis, naquelas parcas horas que fumaram-se em forte trago, como amantes do inesperado, envoltos no que parecia ser felicidade.
Fumar ou parar com o prazeroso vício de ter na boca o que se deseja? Continuar ou parar porque não há doses seguras para o consumo da vida? Sabotar-se fugindo do fogo do isqueiro é a melhor opção? Parar de consumir aquilo que ainda se quer é um dilema, são escolhas, reflete Ela sobre o fim. Ficou claro que Ele escolheu parar. Essas escolhas são de cada um, e não há nada que se possa fazer de efetivo, só lamentar. Essas são decisões que se toma individualmente, sem que os filtros sejam consultados antes de serem amassados no cinzeiro pela última vez.
Relatos de dependentes apontam que uma das formas de agir dos que fogem do vício parece ser o ato de virar-se e andar sem olhar para trás, sem despedida para melhor resistir ao último e ainda possível trago. Faz parte da escolha. Talvez assim doa menos, deseje menos. Ela faz um esforço enorme para entender e aceitar.
Ela agora sobrevive da crença na permanência das lembranças das figuras que se desenhavam no ar a cada baforada de fumaça durante as intermináveis e encantadoras histórias de vida. Assim como crê no lastro do lembrar do desenho de seus corpos, tal qual fossem apenas um, que permanecerão na memória afetiva do que outrora se chamou de nós. Serão lembranças guardadas naquilo que nenhuma advertência de maço conseguirá apagar, ficarão guardadas no coração. Isso aplaca a saudade.

2 comentários:

eliana tavares disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
eliana tavares disse...

E de resto, dói!