quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

#Inspiração

Dia desses chovia forte. Sentia Ela como se estivesse numa ilha, envolta de sonhos e tempestades. Queria sair, mas não deu. Quase afundou e tornou-se náufraga, mas aprendeu a nadar. Foi urgente que aprendesse.
Tendo cessado as ondas, já não mais sentia o desamor de afogamento. Auto-resgatada, havia novamente o pulsar de ares penetrantes nas narinas de sua vida de exagerada poesia. Os ares eram orientados pelo Tempo, com seu dom de acalmar a natureza de corpos e mentes. Sempre Ele, o Tempo, trazendo mudanças.
Para alimento fortificante de suas confusas palavras, ávidas para desaguar, naquela noite de chuva havia poesia, vinho e o balanço pendular a agitar compassadamente suas ideias. Nada ficou no mesmo lugar depois da tal tempestade. Nem mesmo afundou ou permaneceu íntegro. Era só outro momento. Agora era hora de reorganizar. Ato perfeito para encenar escrita.
Para lá e para cá, a vida dela confundia-se com a rede que a faz ninar de olhos abertos e vidrados na janela do esperançar. Sim, ainda havia chuva naquela noite estranha, mas não mais havia lágrimas. Do torpor advindos das parreiras engarrafadas, se embriagou de certezas e dúvidas. Desse efeito, por suas mãos destilaram sonhos gotejantes que queriam-se a própria escrita. Escrevam-me, diziam as palavras torpes,
Como se não bastasse, da TV brotaram mais inspirações. Agora, vidrando olhos na tela, era possível sentir a língua portuguesa deslizando em véus de Brasil e África. Era Mia Couto, o moçambicano, Bethânia, a baiana, e Agualusa, o angolano num doce encontro de cruzar Atlântico e alcançar corações. Ela consentiu ao pedido de Karingana. Licença concedida. Afetou-se. Eles contaram a Ela sobre o amor que navega e se vai, sem olhar pra trás, na correnteza, navegando nos mares do possível. Tomada por tanta belezura, Ela mal conseguia escrever, pois atava-se a ideia da perfeição de suas fontes. que quase a deixaram muda dos dedos.
Por outro lado, deu comichão. Do sentimento que vinha do fundo do lago de seu peito, sabia que era preciso dedilhar letras que trouxessem sentido para aquela estupefacta noite. Humildemente escreveu o quanto e como pode. Doutra forma talvez nem dormisse, pois lhe atormentariam os Camões e Guimarães.
Sendo assim, Ela escreveu essas mal traçadas linhas. Era preciso. Ao menos naquela noite estranha foi preciso. Amanhã quem sabe?
Seu Amor de Fora talvez a lesse, se menos miopia fosse, talvez a sentisse, se mais entranhas tivesse, e se orgulhasse se alguma reciprocidade o alcançasse, porém, tampouco importava isso agora. Era para Ela própria, para seu Amor de Dentro, os goles de amor daquela noite em taças para reencontrar palavras inspiradas, das quais letras transbordaram fluidas e aleatórias.
E assim, com a sensação de ter ido além mar, sem nem mesmo ter conseguido sair da ilha, Ela foi se deitar em ondas de calmaria por já ter sonhado.

Joyce Alves Rocha