sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Queria meu pinho

Não vivo a vida sem me consolar e me reestruturar em poesia e música. Elas nunca me deixam sofrer sozinha. Só elas e ninguém mais. Lágrimas caem como notas musicais agora, e quando secam viram acordes em mim, pra me acordar e me fazer tocar a vida. Lacrimais notas povoam minha dor e meu peito apertado. Pena no pinho ser tão incapaz. Quisera poder transformá-las na mais bela canção de consolo. Entretanto, só resta o som do pranto.

Amor que queima não é Amor

"Deixa arder até que o Orixá Tempo e o Destino se encarreguem das coisas", disse-lhe insensível, cruel, certeiro e incólume, diante daquele debulhar incrédulo dela, antes de vira-lhe as costas em busca de outros corpos fulgazes e ardentes. Ele era somente um incendiário. Como ela não pode perceber antes?
Não quis ver, acho. Não podia ser real de novo, mas era. Ardia mais uma vez.
Ela mal podia acreditar que mais uma vez vivia o resgate da mesma dor de outrora, dor que queima esperança. A dor doutra farsa travestida de esperança. Como são duros os repetidos ledos enganos.
Logo de início, de arder pareciam ser mesmo especialistas, pois tudo foi tão rápido como incêndio. Já no primeiro beijo, carinhoso e quente, o incêndio fora como em fábrica de fogos de artifício, brilhou e acabou rápido. Logo depois constatou-se, não sem dor, que não passavam de artifícios. Agiu o Tempo.
Quando já não era possível esperar nada mais, o fogo  rebrotou do rescaldo. Arderam de novo. Desta vez era diferente, acreditou ela, sempre tão doce amante. Era fogo de lareira, quente e sob controle. Fogo positivo. Fogo pra aquecer coração que já se achava senescente. Era de novo a vida que soprava como brisa pra manter a chama. Era bom, era prazer, era fagulha diária em forma de carinho e com gosto de café forte. Era ardor na medida certa. Fogo maduro desses que iluminam. Entretanto, pelo visto, era só pra ela. Nunca fora pra ele, dado a agora palpável insensibilidade observada e sentida.
Um mísero fósforo de cara embalagem pôs tudo a perder. Era isso que dava prazer a ele, o incêndio e não o fogo. É assim mesmo, onde não há amor verdadeiro, é só terreno inflamável que a tudo destrói. Foi rápido. Queimou tudo. Destruição e mais nada, foi o que sobrou. Nã houve tempo nem para ela se proteger das chamas que provocariam queimaduras  e cicatrizes profundas naquele corpo entregue até a alma. Esturricada, recebeu o balde de água fria com ares de misericórdia, mas com bafo de desamor e mentira.
Agora, tal qual terra de Cerrado, incendiada pela combinação de seca e fogo perverso, confia tão somente nas suas profundas raízes que a farão rebrotar um dia, mesmo que precise esperar pela próxima temporada de chuva. Ela, ainda que pareça carvão, prefere ser flor que ser fósforo, pois sabes da vida que tens em si e não quer carregar a dor de queimar ninguém.

Joyce Alves Rocha

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Gosto ❤️

Gosto quando chega do tênis...
Ávido, faminto, suado, silencioso pra me surpreender, e quente, sobretudo quente.
Gosto de sentir seu desejo por mim, despertando meu desejo de entregar meu corpo a você.
Gosto do teu cheiro, teu gosto e teu tato em meu arrepio, teus dedos que me acariciam e de tua língua em meu sexo.
Gosto da tua forma de me olhar e, principalmente, gosto quando nossos olhares se cruzam.
Gosto quando você não se contém e diz qualquer coisa boa na cama, só por saber que gosto de ouvir, mas com palavras sinceras porque sabes a importância da sinceridade na cama e na vida.
Gosto das tantas vezes que meu corpo pulsa em gozo quando me preenches. Inteira! Com carinho e com fome. Gosto.
Gosto da entrega que o desejo deseja que não pare mais, e por isso peço pra que não pare, por te querer demais.
Gosto quando nos encontramos no pódio do desejo máximo, num só ato que se completa em gemidos de encaixe perfeito, tal qual se encaixam nossos corpos, que na sequência descansam unidos como deve ser, pelo bem da felicidade que emanam, oriunda daqueles momentos tórridos e por termos um ao outro. Com tudo isso eu só queria dizer que gosto. Simplesmente gosto. Lindamente gosto.
Gosto de você!

Uma reflexão sobre Educação Pública

Como hoje é dia do professor, é  dia de pensar. A escola pública obrigatória não é de agora. Ela nasceu no séc 18, na Prússia, é foi criada para sumária  manipulação de massas. Seguindo a linha de instrução para formação de trabalhadores espartana, a qual o castigo físico era um dos métodos impostos, a educação pública obrigatória rapidamente se espalhou pelo mundo, pelas mãos de governos despóticos. Para se ter ideia, um dos grandes amantes e defensores da educação pública obrigatória era Napoleão, por exemplo.  Ele dizia que era necessário criar um corpo docente capaz de formar "bons franceses" para o bem do seu poder. Fato, professores e curriculos podem servir muito bem a determinados interesses. A escola é usada, desde sempre, para propaganda politica, treinamento militar, fomentar ideias eugênicas, esvaziamento do pensamento critico, etc.
E assim, a escola pública obrigatória segue até os dias de hoje,  sendo constantemente considerada um espaço de controle social de grande valia à manutenção  do sistema.
Porém, ironicamente,  esta mesma escola, dada a capacidade de absorver cidadãos de todas as classes sociais, é de suma importância para as possibilidades de transformação social. Nenhum déspota é capaz de segurar o educador que efetivamente age nesta fronteira. É aí, na escola pública, nosso maior campo de batalha. Querem uma "educação bancária" e a isso não podemos  sucumbir.
Cabe a nós, educadores, irmos além do que qualquer governo quer de nós. Lutar por quebrar a lógica manipuladora é essencial. Nosso compromisso precisa ser com cada um dos sujeitos ativos que sentam diante de nós e que, no fundo, mesmo sem saber, sonham com uma educação emancipadora.
Pensemos nessas pessoas para diariamente nos reconhecermos como personagens significativos na vida de muitos jovens em formação. Deve ser por eles o melhor de nós.
Sigamos!
Joyce Alves Rocha

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Casaram-se

Ângela Dantas era moça determinada a ser mãe. Desde a mais tenra idade era o que desejava. Nem que pra isso fosse necessário trancafiar Carmen em um casamento. Carmen, siamesa, não teve escolha. Quando deu por si, estava enredada no enredo da outra parte. Aceitou sem muita resistência, dizem até que no fundo, no fundo, também queria. Até que gostou, viu? Não foi tão mal no início, até porque a maternidade fazia parte da essência de ambas.
Durante um tempo, Carmen também sentiu-se contemplada naquela relação, muito embora tenha demorado a perceber que ela não era parte valorizada como tinha sonhado. Aceitou resiliente. Parou de fluir de novo. Aguardou pacientemente.
Pena que nem sempre é como se planeja, pra sempre felizes. Nem mesmo pra Ângela. Desiludiu-se a pobre romântica.
Vejam só que lástima, as ilusões criadas pela ávida Ângela mostraram sua outra face. Vaso trincado só esperando virar cacos, e assim foi.
Agora esvaziada de sentido, num coração derretido e gélido, Ângela via-se triste naquele lugar não feito para ela, pois mesmo pra ela tão casadoira, eram amarras atadas e domesticadas demais. Amor domesticado era demais para as duas suportarem.
Carmen decidiu tomar às rédeas, afrouxando os nós. Ela sabia, antes que fosse tarde demais, era hora de aquecer aquele corpo pra tentar aquecer o coração delas, de fora pra dentro, que fosse.
Assim o fez, por algumas vezes. Ainda que de modo leal, sabia que não era o método mais adequado, mas o único possível, tipo remédio amargo para expurgar. Era para ser só um respiro no sufocamento, mas perderam-se no caminho. Tudo ruiu de vez. Tarde demais.
Talvez não haja defesa possível, talvez nem seja o caso de defesa, aliás, que se danem os que julgam e condenam, elas não precisam de sua defesa. São senhoras de si e de suas histórias.
Só as duas sabem o que passaram e passam. É por isso que estão aqui, neste divã, em busca de novas oportunidades, erguidas em novas plataformas, ciente de que nunca estão só, sempre dispostas a defenderem os sonhos de ambas.

A estreia e o reencontro

Dizem que nasceram juntas. Talvez sim, talvez não. Talvez até tenham renascido em separado e se reencontrado ao longo deste tempo. Fato é que elas estão precisando se encarar de frente pra pensarem juntas sobre a balança de equilíbrio frágil entre elas e as consequências disso. Ângela Dantas e Carmen, sem mais delongas, estão no divã. Tem sido necessário, porque algo de intrigante sobre suas personalidades emergiu com a entrada da maturidade. Delicados posicionamentos precisam de ajustes finos para o bem de ambas.
Antes porém, é melhor descrevê-las separadamente, ainda meninas, para a posteriori colocá-las olhos nos olhos, e adultas.
Aviso aos que lêem, nasce aqui uma série complexa e embricada de novos textos que seguirão em constante reescrita. Não se surpreenda se voltares a ler e as letras tenham tomado outras formas. No divã é assim mesmo, são permitidas e aconselháveis mudanças.
Era um lindo domingo de verão de janeiro, e esta dimensão terrena as recebeu. Não é à toa que elas têm apreço singular por domingos antes do crepúsculo, e deles tiram até a última alegria de viver.
Ângela Dantas, de nome tão apropriado, teve de aprender desde cedo a ser um exemplo. Nasceu ciente de sua chegada turbulenta, afinal, ser filha de pais adolescentes nunca foi algo fácil para ninguém, não seria pra ela. Ângela, ao que dizem, de beleza angelical, sempre teve comportamento irrepreensível. Era responsável e cordial, tranquila como um anjo. Nascera então a criança que desfez os nós familiares, e conquistou os corações. Reinava em felicidade. Porém, estava crecendo, e a toda hora ouvia, numa mistura de orgulho e medo, "seja como ela, comportada, estudiosa, responsável, simpática...". Inegavelmente era bom, mas nada podia sair do controle. Ângela sentia este peso, era duro ser certinha. Mas havia de ser contornável. Fosse como fosse,  só não podia desapontar ninguém.
Não se sabe ao certo, mas ao que parece, neste meio tempo Carmen dormia. Outros falam que ela já despertara e lançava seus olhares de fome pro mundo, pois é antes de mais nada, de fome de vida que Carmen é feita. A verdade nunca saberemos. Certo mesmo é que  é solar seu sorriso que teme a noite. Lamentavelmente, antes mesmo que tenha se olhado, ela própria, no espelho, ou revisto aquela foto antiga, pra se reconhecer mocinha, Carmen foi acordada no susto. Não eram só olhares, aliás olhares esses que ela nunca tinha reparado, pois era também só uma menina angelical, tal qual sua outra parte.  Olhares de esguelha, agora passaram a tatos tenebrosos. Ela esbugalhou os olhos, de onde brotaram lacinantes lágrimas de decepção. Nunca mais dormiu igual. Nunca mais a paz infantil.
Se eram gêmeas siamesas não se sabe. Fato é que, deste dia em diante, foram separadas cirurgicamente pela primeira vez, na marra.
Carmen acordou com seios fartos e róseos, boca carmim, arma branca a postos e gritos cinzas presos na garganta, que mais parecem pedras grandes e pontiagudas. Com este conjunto de atributos Carmen não parecia ser lá a pessoa mais feliz. Mais uma vez, talvez sim, talvez não. Mas, a exemplo de sua outra banda, teve de aprender a contornar os desafios para sobreviver. Afinal, não podia decepcionar ninguém, muito menos os que só tinham olhos para admirável Ângela.
Longe desses olhares míopes, com certo estilo cigano e impetuoso, os lábios carmins de Carmen decidiram brincar de seduzir, tanto pela fala verborrágica que aprendera com sua metade estudiosa e simpática, quanto com a busca efetiva de outros lábios para satisfação de desejos. Muito embora bastante inocente e controlada por Ângela, Carmen ficava tão feliz com a arte da sedução, que nem sempre necessitava de efetivação dos fatos pra sentir prazer. Era, muito provavelmente, resquício das brincadeiras que foram retiradas dela de forma tão precoce. Brincava pra sobreviver às quase certeiras lágrimas noturnas e soturnas.
Ângela nesta ocasião, ao que parece, dormia com um olho fechado como cordial menina e o outro entreaberto mirando incrédulo e inerte. Ângela nunca foi lá muito útil nessas horas, pois nunca soube o que fazer. Esperavam amanhecer, ambas angustiadas. E quando vinha o sol, Carmen era a 1a a se levantar, era como se Carmen não precisasse mais esperar por Ângela para se encorajar. Punha-se de pé e ia à luta, pois a cada manhã erguia-se junto a ela o desejo de partir do inferno. Era de fome de vida que falávamos lembras? Impulso de vida passa a moldar ações de Carmen, cabendo a Ângela organizar de forma determinada os passos da dupla pra garantirem o sucesso. Esse seria, Ângela estava certa disso, seu único recurso, a luta. Isso sem nunca esquecer de levar Ângela consigo.  São indissociáveis, embora não parecesse que se entendiam tão bem.
Pois então, foram crescendo, tomando pé de si e (re)aprendendo constantemente metodologias diversas pra sobreviverem às argruras impostas pela vida na personalidade de cada uma.
Sem pretensões cronológicas, aos poucos, para evitarem atropelos, elas deixarão aqui seus registros de memória e devaneios, afinal estão no divã e, pro bem de ambas, decidiram falar e ouvir.

Do nascimento ao divã

Dizem que nasceram juntas. Talvez sim, talvez não. Talvez até tenham renascido em separado e se reencontrado ao longo deste tempo. Fato é que elas estão precisando se encarar de frente pra pensarem juntas sobre a balança de equilíbrio frágil entre elas e as consequências disso. Ângela Dantas e Carmen, sem mais delongas, estão no divã. Tem sido necessário, porque algo de intrigante sobre suas personalidades emergiu com a entrada da maturidade. Delicados posicionamentos precisam de ajustes finos para o bem de ambas.
Antes porém, é melhor descrevê-las separadamente, ainda meninas, para a posteriori colocá-las olhos nos olhos, e adultas.
Aviso aos que lêem, nasce aqui uma série complexa e embricada de novos textos que seguirão em constante reescrita. Não se surpreenda se voltares a ler e as letras tenham tomado outras formas. No divã é assim mesmo, são permitidas e aconselháveis mudanças.
Era um lindo domingo de verão de janeiro, e esta dimensão terrena as recebeu. Não é à toa que elas têm apreço singular por domingos antes do crepúsculo, e deles tiram até a última alegria de viver.
Ângela Dantas, de nome tão apropriado, teve de aprender desde cedo a ser um exemplo. Nasceu ciente de sua chegada turbulenta, afinal, ser filha de pais adolescentes nunca foi algo fácil para ninguém, não seria pra ela. Ângela, ao que dizem, de beleza angelical, sempre teve comportamento irrepreensível. Era responsável e cordial, tranquila como um anjo. Nascera então a criança que desfez os nós familiares, e conquistou os corações. Reinava em felicidade. Porém, estava crecendo, e a toda hora ouvia, numa mistura de orgulho e medo, "seja como ela, comportada, estudiosa, responsável, simpática...". Inegavelmente era bom, mas nada podia sair do controle. Ângela sentia este peso, era duro ser certinha. Mas havia de ser contornável. Fosse como fosse,  só não podia desapontar ninguém.
Não se sabe ao certo, mas ao que parece, neste meio tempo Carmen dormia. Outros falam que ela já despertara e lançava seus olhares de fome pro mundo, pois é antes de mais nada, de fome de vida que Carmen é feita. A verdade nunca saberemos. Certo mesmo é que  é solar seu sorriso que teme a noite. Lamentavelmente, antes mesmo que tenha se olhado, ela própria, no espelho, ou revisto aquela foto antiga, pra se reconhecer mocinha, Carmen foi acordada no susto. Não eram só olhares, aliás olhares esses que ela nunca tinha reparado, pois era também só uma menina angelical, tal qual sua outra parte.  Olhares de esguelha, agora passaram a tatos tenebrosos. Ela esbugalhou os olhos, de onde brotaram lacinantes lágrimas de decepção. Nunca mais dormiu igual. Nunca mais a paz infantil.
Se eram gêmeas siamesas não se sabe. Fato é que, deste dia em diante, foram separadas cirurgicamente pela primeira vez, na marra.
Carmen acordou com seios fartos e róseos, boca carmim, arma branca a postos e gritos cinzas presos na garganta, que mais parecem pedras grandes e pontiagudas. Com este conjunto de atributos Carmen não parecia ser lá a pessoa mais feliz. Mais uma vez, talvez sim, talvez não. Mas, a exemplo de sua outra banda, teve de aprender a contornar os desafios para sobreviver. Afinal, não podia decepcionar ninguém, muito menos os que só tinham olhos para admirável Ângela.
Longe desses olhares míopes, com certo estilo cigano e impetuoso, os lábios carmins de Carmen decidiram brincar de seduzir, tanto pela fala verborrágica que aprendera com sua metade estudiosa e simpática, quanto com a busca efetiva de outros lábios para satisfação de desejos. Muito embora bastante inocente e controlada por Ângela, Carmen ficava tão feliz com a arte da sedução, que nem sempre necessitava de efetivação dos fatos pra sentir prazer. Era, muito provavelmente, resquício das brincadeiras que foram retiradas dela de forma tão precoce. Brincava pra sobreviver às quase certeiras lágrimas noturnas e soturnas.
Ângela nesta ocasião, ao que parece, dormia com um olho fechado como cordial menina e o outro entreaberto mirando incrédulo e inerte. Ângela nunca foi lá muito útil nessas horas, pois nunca soube o que fazer. Esperavam amanhecer, ambas angustiadas. E quando vinha o sol, Carmen era a 1a a se levantar, era como se Carmen não precisasse mais esperar por Ângela para se encorajar. Punha-se de pé e ia à luta, pois a cada manhã erguia-se junto a ela o desejo de partir do inferno. Era de fome de vida que falávamos lembras? Impulso de vida passa a moldar ações de Carmen, cabendo a Ângela organizar de forma determinada os passos da dupla pra garantirem o sucesso. Esse seria, Ângela estava certa disso, seu único recurso, a luta. Isso sem nunca esquecer de levar Ângela consigo.  São indissociáveis, embora não parecesse que se entendiam tão bem.
Pois então, foram crescendo, tomando pé de si e (re)aprendendo constantemente metodologias diversas pra sobreviverem às argruras impostas pela vida na personalidade de cada uma.
Sem pretensões cronológicas, aos poucos, para evitarem atropelos, elas deixarão aqui seus registros de memória e devaneios, afinal estão no divã e, pro bem de ambas, decidiram falar e ouvir.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Dia internacional de uma mulher

Hoje, 8 de março de 2008, faz aniversário o “aviso oficial” que minha vida mudaria para sempre. Exatos 7 anos, chegava aos meus ouvidos o resultado do bHCG – era positivo para gravidez!!!! Nem que eu escrevesse um texto gigante, ou um livro, conseguiria descrever o que senti naquele instante. Sabia que nunca mais seria a mesma!!!
Fez-se uma grande confusão dentro de mim...
Ser mãe era tudo que eu sempre desejei na vida. Lembro como se fosse hoje das horas que passava brincando de ter uma “penca” de filhos; ou as orações a Deus pedindo que me concedesse o direito de ser mãe. Mas, naquele momento de sonho real tive medo, muito medo!!!
“E se errar mais do que acertar? E se for mais difícil do que brincar de boneca? Será que era hora? E meu doutorado? E a saúde do bebê? E...E... E...” Eram dúvidas, dúvidas e mais dúvidas.
Acho que todas as mulheres concordam comigo que leva um tempo para a ficha cair e sentirmos que vamos dar conta do recado. Esse “meu tempo para acostumar com a idéia” foi até bastante encurtado porque tive apoio e uma boa circunstância. Afinal, já estava casada, tinha toda a infra-estrutura que precisava, um emprego e era muito feliz. E justamente por isso, inevitavelmente, volta meia era remetida para as sensações que devem ter minhas incontáveis alunas que engravidam precocemente ou mesmo minha mãe que soube de mim aos 16 anos. Se eu tinha dúvida de aos 29 anos estar preparada... imagina elas?!?! [vejam Juno, no cinema]
Então o sonho foi crescendo, mexendo lá dentro e se convertendo em realidade. Entre dietas especiais, bordados, consultas, ultras, vida normal de trabalho, sono (muito sono), roupas que iam ficando apertadas... ia me preparando para o “grande dia”...
9 meses depois, fiou apertado lá dentro, e finalmente pude dar o primeiro beijo naquela cabecinha lambuzada que acabara de sair de mim (click! nossa primeira foto – ele adora quando eu conto essa parte da história). Saíra do meu ventre para morar para sempre em meu peito.
Era concreto que a minha felicidade existia, estava em meus braços e que as preces tinham sido atendidas. Eu tinha meu filhote para amar incondicionalmente!!! Como um animal selvagem, agora tinha a missão de proteger a cria, mas ensinar a voar, nadar, correr e se virar sozinho. O mundo em breve o adotaria! E é isso que eu quero. Que cresça uma pessoa de bem e que saiba fazer parte de um mundo melhor (com sua contribuição, é claro).
Hoje ele é um rapazinho (como gosta de ser chamado) de 6 anos, 4 meses e 8 dias. Estamos nós dois, dia-a-dia aprendendo um com outro. Acho que nunca aprendi tanto!!!
Quando conto essa história para ele sinto que nossa conexão aumenta e que de alguma forma nos escolhemos mutuamente em algum ponto de alguma dimensão. Sabíamos das tempestades, mas tínhamos a certeza de lindos dias ensolarados e tranqüilizadoras noites enluaradas.
É por tudo isso que comemoro hoje mais do que o dia internacional da mulher, comemoro um grande acontecimento em minha vida de mulher, a realização de um sonho. Poder finalmente ser mãe é sentir na pele a capacidade de ser forte e de amar uma criatura que faz parte de você, que é sua responsabilidade, mas que precisa crescer. E se essa criaturinha é o Miguel... tudo fica muito mais mais legal!
“Meu amor, meu Miguel, meu anjo sempre tão lembrado, sua mãe (beijona e coruja) é feliz por ter você!!!!! TE AMO!!!!!”

Das saudades circadianas

Talvez seja o inebriante luar, ou as reflexivas estrelas, ou quem sabe apenas as lembranças de outrora. Fato é que vez por outra, nas madrugadas etílicas, a saudade dele é tomada aos goles.
Não se veem mais faz algu tempo, porém, é possível imaginar aquele rascante poeta envolto em letras e fumaças de Malboro, em intrigantes e confusos pensamentos, com as certezas tortuosas dos ébrios geniais, especialistas em fuga da vida para se entregar à poesia.
Pelos ouvidos dele penetram canções que preenchem as lacunas deixadas pelas tórridas lembranças dela, que apesar de aparições fugazes, sempre fizeram arder aqueles corpos em nós emaranhados de tesão. Quem sabe até o desejo ainda percorra o caminho da pele aos corpos cavernosos que intumescem? Creio que sim, pois Ela conta que das vezes últimas, as mãos inquietas e sem pudor revelaram o que da boca não sai, ao menos não em palavras, e sim em salivação desejosa. Mas, isso e tudo que se tem.
Sim, suas saudades são circadianas. Estou cada vez mais certa disto. Varam noites rumo à madrugadas. Correm contra o tempo. E antes do amanhecer, escondem-se nalgum canto, salvaguardando-se, para que pela boca não vaze ao nascer do sol. Bravamente Ele resiste engolindo a embriaguez poética dos amantes alimentados de saudade.