sábado, 30 de março de 2024

Cinza

Sempre houve cor. Não houve engano. Mas, as idílicas cores de embaralhar a visão do real ofuscaram.

 


Nas cores quentes de verão, algo se queimou, ardeu, abalou, caiu, assombrou, mas sobretudo resistiu.

Sobreviveu.

Resistiu porque se sabe amor, e dos bons.

Como diz Aleluia naquela canção, na "linha do horizonte tem um fundo cinza", é para lá que quero caminhar. Quero recorrer ao cinza de onde pode vir brotar a verde esperança e novas cores. Creio porque "a massa encefálica é cinza", mas as cores são guardadas no coração.

"Não aceito quando dizem que o fim é cinza", que "quando tudo finda é cinza"

Não, eu confio na cura colorida da poesia. O ar poético tem o poder de soprar a poeira que arranha a visão lacrimejada e ardente pelo fogo do medo. A poesia limpa pois dela sopra vento que deixa exposta a Fênix de nossas almas amantes. "Vamos renascer das cinzas da purificação".

Neste dia cinza, a poesia escolheu me fazer sonhar colorido de novo. Leio poesias e me reencanto com o céu. "Me vejo uma amante que o cinza desnudou".

"Vamos celebrar o cinza com amor", "Vamos celebrar que o amor há de renascer das cinzas", "Vamos celebrar o cinza com amor". Vamos recolorir o que nos uniu, o verdadeiro amor.


Daquelas conexões raras nasce o inigualável amor

Depois de uma quinta feira qualquer, ao se descortinar aquela oportuna janela, lá estavam Eles, vivendo a talvez inesperada e logo percebida conexão. De onde teria brotado tal interesse não se sabe, talvez de um sonho vidente e visionário, talvez das circunstâncias. Pouco importa. Fato é que da janela, rapidamente preenchida de múltiplas cores sortidas, Eles se viram ávidos por viver aqueles momentos de calor, sons sussurrados por cautela e sabores de entrega. Decidiram não pensar no amanhã. Houve entrega para além do esperado.

Sim, Eles duvidaram se deveriam fazer aquilo. Havia motivo de sobra para dúvidas. Haviam amarras sociais. Haviam outras pessoas. Foi quando Eles decidiram que se apegariam a algumas poucas certezas do que queriam merecidamente viver. Seguiram. Viveram. Com benefícios.

Ele, por ofício, tem sempre números e planejamentos ao alcance das mãos grandes. Todavia, ao que parece, andou perdendo as contas. Ela sempre acha que busca a racionalidade da maturidade capricorniana nas relações, mas, segundo contam, se fez de novo menina aquariana diante daquelas hábeis e desejosas mãos que falam com o corpo dela.

Ela, tagarela, chega a perder a voz quando dos olhares cruzados em público, enquanto Ele, discretamente, a faz lembrar da língua, ainda que calado, pois tal órgão já deixou marcas na memória de suas entranhas. Eles sorriem com o corpo todo aos olhos de todos.

Ele a vê solar e Ela pensa no brilho que deixa naqueles lábios carnudos de boca faminta. Ele não sabe, mas o jeito de passar as mãos nos cabelos dela enquanto a olha faz um bem danado. Já Ela gosta de acariciar lhe a barba, com suas mãos pequenas, que passam por todo o rosto dele. Com os olhos, Eles se fitam incrédulos com a conexão. O que os faz diferentes dos anjos é saberem que podem se aproveitar dessa linda conexão para saciarem seus desejos. Assim, se faz divino cada encontro.

Faz parte do encantamento também quando eles conversam. Eles falam coisas da vida, estreitam laços na mesma medida que afrouxam amarras. Confidentes, se abrem, se entendem, trocam conselhos, sabedorias e experiências. Essa conexão vai além do tesão, é mais que cama.

Ela diz que ama poesia, Ele entende o recado, a chama de linda e oferece putaria, ainda que poética, sussurrando por estar em local proibido, na promessa de mais entrega no ouvido.

No jogo de sedução, todo cenário é inspiração. Mesa, sofá, janela, cama, parede, cafeteira... tudo povoa a imaginação dos amantes, nada mais visto como antes. Nada mudou no entorno deles, mas tudo agora é diferente.

Mesas são mobílias de grande apreço para Eles, pois mesmo diante de todos, é por baixo delas que sempre dão um jeito de se tocarem. Em reuniões, cafés e almoços, seus pés, pernas e mãos se buscam quase que magneticamente. Ousam, se arriscam, avançam e alcançam porque se querem. É sempre bom, ainda que por segundos. Querem um dia se encontrar debaixo da mesa, onde Ela primeiro quer possuí-lo em flexão de joelhos, para que Ele não resista e arranque-a de lá e a tome no colo.

Mas, nada se compara ao que fizeram sob a mesa. De verde esperança Ela se vestiu naquele dia, a pequena saia planejada com requinte de paixão confessa que não esperava tanto. Tentaram resistir, passaram o dia entre cruzadas de pernas e selinhos roubados, mas chegou a hora. Ficaram a sós. Como resistir? Foi quando Ele finalmente a deitou para tomá-la em língua, já a encontrando enchuvarada de desejo. Com a saia sobre a mesa, sobe a saia sob a mesa, mil variações virando os olhos de gata, sentindo, ronronando. Entregues à loucura, lenta e vigorosa e silenciosamente, os sexos tornaram a se encontrar, assim como pele, pelos e olhos. Sorrisos frouxos de quem sobe às nuvens foi o que se viu. Ele quis, Ela quis, Eles se autorizaram aos jatos. O corpo dela se desmanchou em arrepios e mal conseguia ficar de pé, pede amparo naquele abraço do tamanho do sentimento que os une. Chuvas, trovoadas e terremotos, aconteceram naquela sala. O cheiro inundou tudo e pingou por debaixo da saia, tal qual gotas de felicidade num sorriso abaixo do ventre.

Agora, cientes do que querem e que a vida é tão curta quanto aquela saia,  Eles não negam mais o que querem porque são, juntos, fogo e gasolina. Se encontrarão, quem sabe, no multiverso enquanto assim desejarem.