quarta-feira, 31 de julho de 2019

Casaram-se

Ângela Dantas era moça determinada a ser mãe. Desde a mais tenra idade era o que desejava. Nem que pra isso fosse necessário trancafiar Carmen em um casamento. Carmen, siamesa, não teve escolha. Quando deu por si, estava enredada no enredo da outra parte. Aceitou sem muita resistência, dizem até que no fundo, no fundo, também queria. Até que gostou, viu? Não foi tão mal no início, até porque a maternidade fazia parte da essência de ambas.
Durante um tempo, Carmen também sentiu-se contemplada naquela relação, muito embora tenha demorado a perceber que ela não era parte valorizada como tinha sonhado. Aceitou resiliente. Parou de fluir de novo. Aguardou pacientemente.
Pena que nem sempre é como se planeja, pra sempre felizes. Nem mesmo pra Ângela. Desiludiu-se a pobre romântica.
Vejam só que lástima, as ilusões criadas pela ávida Ângela mostraram sua outra face. Vaso trincado só esperando virar cacos, e assim foi.
Agora esvaziada de sentido, num coração derretido e gélido, Ângela via-se triste naquele lugar não feito para ela, pois mesmo pra ela tão casadoira, eram amarras atadas e domesticadas demais. Amor domesticado era demais para as duas suportarem.
Carmen decidiu tomar às rédeas, afrouxando os nós. Ela sabia, antes que fosse tarde demais, era hora de aquecer aquele corpo pra tentar aquecer o coração delas, de fora pra dentro, que fosse.
Assim o fez, por algumas vezes. Ainda que de modo leal, sabia que não era o método mais adequado, mas o único possível, tipo remédio amargo para expurgar. Era para ser só um respiro no sufocamento, mas perderam-se no caminho. Tudo ruiu de vez. Tarde demais.
Talvez não haja defesa possível, talvez nem seja o caso de defesa, aliás, que se danem os que julgam e condenam, elas não precisam de sua defesa. São senhoras de si e de suas histórias.
Só as duas sabem o que passaram e passam. É por isso que estão aqui, neste divã, em busca de novas oportunidades, erguidas em novas plataformas, ciente de que nunca estão só, sempre dispostas a defenderem os sonhos de ambas.

A estreia e o reencontro

Dizem que nasceram juntas. Talvez sim, talvez não. Talvez até tenham renascido em separado e se reencontrado ao longo deste tempo. Fato é que elas estão precisando se encarar de frente pra pensarem juntas sobre a balança de equilíbrio frágil entre elas e as consequências disso. Ângela Dantas e Carmen, sem mais delongas, estão no divã. Tem sido necessário, porque algo de intrigante sobre suas personalidades emergiu com a entrada da maturidade. Delicados posicionamentos precisam de ajustes finos para o bem de ambas.
Antes porém, é melhor descrevê-las separadamente, ainda meninas, para a posteriori colocá-las olhos nos olhos, e adultas.
Aviso aos que lêem, nasce aqui uma série complexa e embricada de novos textos que seguirão em constante reescrita. Não se surpreenda se voltares a ler e as letras tenham tomado outras formas. No divã é assim mesmo, são permitidas e aconselháveis mudanças.
Era um lindo domingo de verão de janeiro, e esta dimensão terrena as recebeu. Não é à toa que elas têm apreço singular por domingos antes do crepúsculo, e deles tiram até a última alegria de viver.
Ângela Dantas, de nome tão apropriado, teve de aprender desde cedo a ser um exemplo. Nasceu ciente de sua chegada turbulenta, afinal, ser filha de pais adolescentes nunca foi algo fácil para ninguém, não seria pra ela. Ângela, ao que dizem, de beleza angelical, sempre teve comportamento irrepreensível. Era responsável e cordial, tranquila como um anjo. Nascera então a criança que desfez os nós familiares, e conquistou os corações. Reinava em felicidade. Porém, estava crecendo, e a toda hora ouvia, numa mistura de orgulho e medo, "seja como ela, comportada, estudiosa, responsável, simpática...". Inegavelmente era bom, mas nada podia sair do controle. Ângela sentia este peso, era duro ser certinha. Mas havia de ser contornável. Fosse como fosse,  só não podia desapontar ninguém.
Não se sabe ao certo, mas ao que parece, neste meio tempo Carmen dormia. Outros falam que ela já despertara e lançava seus olhares de fome pro mundo, pois é antes de mais nada, de fome de vida que Carmen é feita. A verdade nunca saberemos. Certo mesmo é que  é solar seu sorriso que teme a noite. Lamentavelmente, antes mesmo que tenha se olhado, ela própria, no espelho, ou revisto aquela foto antiga, pra se reconhecer mocinha, Carmen foi acordada no susto. Não eram só olhares, aliás olhares esses que ela nunca tinha reparado, pois era também só uma menina angelical, tal qual sua outra parte.  Olhares de esguelha, agora passaram a tatos tenebrosos. Ela esbugalhou os olhos, de onde brotaram lacinantes lágrimas de decepção. Nunca mais dormiu igual. Nunca mais a paz infantil.
Se eram gêmeas siamesas não se sabe. Fato é que, deste dia em diante, foram separadas cirurgicamente pela primeira vez, na marra.
Carmen acordou com seios fartos e róseos, boca carmim, arma branca a postos e gritos cinzas presos na garganta, que mais parecem pedras grandes e pontiagudas. Com este conjunto de atributos Carmen não parecia ser lá a pessoa mais feliz. Mais uma vez, talvez sim, talvez não. Mas, a exemplo de sua outra banda, teve de aprender a contornar os desafios para sobreviver. Afinal, não podia decepcionar ninguém, muito menos os que só tinham olhos para admirável Ângela.
Longe desses olhares míopes, com certo estilo cigano e impetuoso, os lábios carmins de Carmen decidiram brincar de seduzir, tanto pela fala verborrágica que aprendera com sua metade estudiosa e simpática, quanto com a busca efetiva de outros lábios para satisfação de desejos. Muito embora bastante inocente e controlada por Ângela, Carmen ficava tão feliz com a arte da sedução, que nem sempre necessitava de efetivação dos fatos pra sentir prazer. Era, muito provavelmente, resquício das brincadeiras que foram retiradas dela de forma tão precoce. Brincava pra sobreviver às quase certeiras lágrimas noturnas e soturnas.
Ângela nesta ocasião, ao que parece, dormia com um olho fechado como cordial menina e o outro entreaberto mirando incrédulo e inerte. Ângela nunca foi lá muito útil nessas horas, pois nunca soube o que fazer. Esperavam amanhecer, ambas angustiadas. E quando vinha o sol, Carmen era a 1a a se levantar, era como se Carmen não precisasse mais esperar por Ângela para se encorajar. Punha-se de pé e ia à luta, pois a cada manhã erguia-se junto a ela o desejo de partir do inferno. Era de fome de vida que falávamos lembras? Impulso de vida passa a moldar ações de Carmen, cabendo a Ângela organizar de forma determinada os passos da dupla pra garantirem o sucesso. Esse seria, Ângela estava certa disso, seu único recurso, a luta. Isso sem nunca esquecer de levar Ângela consigo.  São indissociáveis, embora não parecesse que se entendiam tão bem.
Pois então, foram crescendo, tomando pé de si e (re)aprendendo constantemente metodologias diversas pra sobreviverem às argruras impostas pela vida na personalidade de cada uma.
Sem pretensões cronológicas, aos poucos, para evitarem atropelos, elas deixarão aqui seus registros de memória e devaneios, afinal estão no divã e, pro bem de ambas, decidiram falar e ouvir.

Do nascimento ao divã

Dizem que nasceram juntas. Talvez sim, talvez não. Talvez até tenham renascido em separado e se reencontrado ao longo deste tempo. Fato é que elas estão precisando se encarar de frente pra pensarem juntas sobre a balança de equilíbrio frágil entre elas e as consequências disso. Ângela Dantas e Carmen, sem mais delongas, estão no divã. Tem sido necessário, porque algo de intrigante sobre suas personalidades emergiu com a entrada da maturidade. Delicados posicionamentos precisam de ajustes finos para o bem de ambas.
Antes porém, é melhor descrevê-las separadamente, ainda meninas, para a posteriori colocá-las olhos nos olhos, e adultas.
Aviso aos que lêem, nasce aqui uma série complexa e embricada de novos textos que seguirão em constante reescrita. Não se surpreenda se voltares a ler e as letras tenham tomado outras formas. No divã é assim mesmo, são permitidas e aconselháveis mudanças.
Era um lindo domingo de verão de janeiro, e esta dimensão terrena as recebeu. Não é à toa que elas têm apreço singular por domingos antes do crepúsculo, e deles tiram até a última alegria de viver.
Ângela Dantas, de nome tão apropriado, teve de aprender desde cedo a ser um exemplo. Nasceu ciente de sua chegada turbulenta, afinal, ser filha de pais adolescentes nunca foi algo fácil para ninguém, não seria pra ela. Ângela, ao que dizem, de beleza angelical, sempre teve comportamento irrepreensível. Era responsável e cordial, tranquila como um anjo. Nascera então a criança que desfez os nós familiares, e conquistou os corações. Reinava em felicidade. Porém, estava crecendo, e a toda hora ouvia, numa mistura de orgulho e medo, "seja como ela, comportada, estudiosa, responsável, simpática...". Inegavelmente era bom, mas nada podia sair do controle. Ângela sentia este peso, era duro ser certinha. Mas havia de ser contornável. Fosse como fosse,  só não podia desapontar ninguém.
Não se sabe ao certo, mas ao que parece, neste meio tempo Carmen dormia. Outros falam que ela já despertara e lançava seus olhares de fome pro mundo, pois é antes de mais nada, de fome de vida que Carmen é feita. A verdade nunca saberemos. Certo mesmo é que  é solar seu sorriso que teme a noite. Lamentavelmente, antes mesmo que tenha se olhado, ela própria, no espelho, ou revisto aquela foto antiga, pra se reconhecer mocinha, Carmen foi acordada no susto. Não eram só olhares, aliás olhares esses que ela nunca tinha reparado, pois era também só uma menina angelical, tal qual sua outra parte.  Olhares de esguelha, agora passaram a tatos tenebrosos. Ela esbugalhou os olhos, de onde brotaram lacinantes lágrimas de decepção. Nunca mais dormiu igual. Nunca mais a paz infantil.
Se eram gêmeas siamesas não se sabe. Fato é que, deste dia em diante, foram separadas cirurgicamente pela primeira vez, na marra.
Carmen acordou com seios fartos e róseos, boca carmim, arma branca a postos e gritos cinzas presos na garganta, que mais parecem pedras grandes e pontiagudas. Com este conjunto de atributos Carmen não parecia ser lá a pessoa mais feliz. Mais uma vez, talvez sim, talvez não. Mas, a exemplo de sua outra banda, teve de aprender a contornar os desafios para sobreviver. Afinal, não podia decepcionar ninguém, muito menos os que só tinham olhos para admirável Ângela.
Longe desses olhares míopes, com certo estilo cigano e impetuoso, os lábios carmins de Carmen decidiram brincar de seduzir, tanto pela fala verborrágica que aprendera com sua metade estudiosa e simpática, quanto com a busca efetiva de outros lábios para satisfação de desejos. Muito embora bastante inocente e controlada por Ângela, Carmen ficava tão feliz com a arte da sedução, que nem sempre necessitava de efetivação dos fatos pra sentir prazer. Era, muito provavelmente, resquício das brincadeiras que foram retiradas dela de forma tão precoce. Brincava pra sobreviver às quase certeiras lágrimas noturnas e soturnas.
Ângela nesta ocasião, ao que parece, dormia com um olho fechado como cordial menina e o outro entreaberto mirando incrédulo e inerte. Ângela nunca foi lá muito útil nessas horas, pois nunca soube o que fazer. Esperavam amanhecer, ambas angustiadas. E quando vinha o sol, Carmen era a 1a a se levantar, era como se Carmen não precisasse mais esperar por Ângela para se encorajar. Punha-se de pé e ia à luta, pois a cada manhã erguia-se junto a ela o desejo de partir do inferno. Era de fome de vida que falávamos lembras? Impulso de vida passa a moldar ações de Carmen, cabendo a Ângela organizar de forma determinada os passos da dupla pra garantirem o sucesso. Esse seria, Ângela estava certa disso, seu único recurso, a luta. Isso sem nunca esquecer de levar Ângela consigo.  São indissociáveis, embora não parecesse que se entendiam tão bem.
Pois então, foram crescendo, tomando pé de si e (re)aprendendo constantemente metodologias diversas pra sobreviverem às argruras impostas pela vida na personalidade de cada uma.
Sem pretensões cronológicas, aos poucos, para evitarem atropelos, elas deixarão aqui seus registros de memória e devaneios, afinal estão no divã e, pro bem de ambas, decidiram falar e ouvir.