quinta-feira, 13 de junho de 2024

Entre cacos e coragem, é preciso seguir

 

Por determinação médica, fisioterapêutica e também psicológica, hoje comecei a caminhar descalça na areia. Para o pé, espera-se uma melhoria da propriocepção, e que assim o edema se desfaça e a musculatura do entorno se fortaleça para alcançar a cura. Para a mente, estima-se que se dissipe igualmente tudo que há de estagnado lá e que coisas boas voltem a fluir. E, ao que parece, já começaram a fluir.

Logo ao dar os primeiros passos desta nova fase, percebi que o desafio estava lá, evidente ou sorrateiramente encoberto pela areia de inofensiva aparência. Decidi encontrar uma embalagem plástica, igualmente abandonada à própria sorte, e caminhar recolhendo todos os cacos de vidro que encontrasse. Assim fiz. Foram alguns quilômetros de caminhada e muitos pedaços de vidro recolhidos, de todo tamanho e cor, todos igualmente perigosos.

Ao longo da caminhada, foram muitas as reflexões baseadas nas observações concretas e análises metafóricas dos achados. Uma delas foi a evidência de que o perigo está lá, o tempo todo, a cada passo, seja exposto ou muitas vezes escondido entre os grãos. Constatei que é assim ao longo da caminhada da vida!

No entanto, mesmo em risco, minha decisão foi seguir coletando os cacos cortantes, passo a passo, me agachando para capturar os brilhos vítreos enganosos e periculosos que me atraíam e me impulsionavam a tirá-los do caminho. Evidentemente que estou ciente que se trata de uma tarefa hercúlea e um tanto quanto inútil, dada a desproporção das minhas forças em relação à capacidade de aporte e espalhamento de tanta sujeira e dor, um mal causado pelo descaso do fatídico descarte. Mas mesmo assim, decidi prosseguir porque entendi que essa seria a minha parte, aquilo que aprendi que preciso fazer, tirar do meu caminho o que possa me ferir, evitando assim danos maiores e cortes mais profundos. Outra lição que fica é a constatação de que é preciso dar atenção ao caminho, evitar novos perigos e desconfiar mais da areia fofa que esconde riscos.

Caminhada feita com sucesso! E, a despeito dos cortes recolhidos na vida, o importante é seguir caminhando, melhorando sempre a propriocepção, que é a capacidade que o próprio corpo tem de avaliar em que posição se encontra. a fim de manter o equilíbrio, e que nos permite caminhar sem necessariamente pensar no próximo passo, mas ciente de onde vamos, e agora com mais cautela e firmeza.

 

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Das ilumiaras que eram para sempre se fez noites eternas

 

 

Foi-se um momento em que era dia, era luz, era fogo, era calor, era elixir de ânima e juventude, era magia que transcendia e driblava as verdades com maestria. Do topo idílico das marcas encravadas nas pedras do medo, tudo se fez tão crível que a alimentou de uma coragem única e crença de felicidade possível. Todos os escudos e defesas foram desarmados porque se fez crer que não eram mais necessários. Era a paz que não mais temia guerras e parecia forte para encarar qualquer batalha.

Ah, como foi lindo tudo aquilo vivido como no calor nordestino! Como parecia real, inabalável e tão eterno quanto as ilumiaras das paixões de Suassuna. Os traços e rabiscos vistos nas sinuosas cores das estradas de alegria, músicas e sabores nunca dantes experimentados, pareciam dizer que nada os atingiria. Eram imunes ao mal que viesse de fora a lhes alcançar. Não havia um só buraco nas estradas que fosse capaz de detê-los, e assim deslizavam como em macios tapetes voadores e aconchegantes.

Entretanto, o mal não viria de fora, ele estava narcisicamente todo tempo à espreita, ali mesmo, dentro daquela falsa viagem. E quando menos se esperava, deu-se a grande implosão que fez brotar a noite escura, cruel e fria que se abateu sobre os sonhos manipulados e meticulosamente plantados nela, revelando as sombras que provocaram dores inéditas e cicatrizes sabidamente eternas. Incrédula e atordoada pela dor, ela desejou o desencarne, pois, apunhalada sumariamente, os buracos outrora inexistentes nos caminhos, foram todos produzidos pelos punhais insensíveis naquele corpo entregue e vulnerável.  Como Ele pôde? Interrogava ela a adoecer dia após dia, sem compreender de onde vinha tanta maldade a lhe apunhalar sem piedade, vindo de onde antes parecia um colo protetor.

Irreconhecíveis, as ilumiaras, que pareciam falar de coisas de amor e luz, foram escalavradas e destruídas à unhas da deslealdade, produzindo dor pungente e incessante, pondo em hemorragia terminal um coração que fora dilacerado ao extremo. Agora, seus traços só traduzem um passado de ilusão, que a humanidade jamais compreenderá, um presente de real destruição e destroços, e um futuro sombrio, pois mesmo que o sol volte a brilhar, as noites desta história de amor serão eternamente decepcionantes, escuras e tristes.

domingo, 21 de abril de 2024

Decreto de amor para ser quem somos

 

 DECRETO Nº 057/2021 - DE 23 DE FEVEREIRO DE 2021 - Medidas de enfrentamento  da COVID 19. -

Fica decretado, posto que a chama do amor persiste em cada um de nós, que o homem está fadado às agruras e benesses advindas do instinto de amar e se refastelar de ser amor por si, em si e no outro, em todos os espectros possíveis, inclusive os recheados de realidades.

Que deixemos acertados aqui que, do âmago de cada ser, o amor jamais deixe de ditar as regras de se entregar ao porvir, aceitando as janelas grandes que se abrem diante de tamanha força e luz amorosa. Que aceitemos fazer do amor a verdadeira janela daquilo que se abre na alma daqueles que, ao amarem corajosamente, sejam capazes de espantar e esgarçar as sombras que insistem em escurecer os dias cinzentos, ao despertar de uma madrugada de estrelas sonhadas.

Acredita-se que, uma vez iluminado pela luz das almas amantes, será possível desvelar que a força do amor se fará do saber amar atento, doce e constante, a despeito do amargo das dores de uma vida em tragos traumáticos que insistem em gerar refluxos ao longo do percurso. Dito isto, espera-se que os goles de amor em doses diárias, possam adoçar tamanho azedume, sarando aos goles o trato com doçura.

Com fins de se fazer um desenho metodológico, quase gramatical, do regramento destinado ao homem, fica decretado que, de todas as conjugações possíveis para o verbo amar, a melhor será a certeza assertiva e totipotente do infinitivo que almeja ser tudo, mas sempre ruma para um futuro mais que perfeito, não aceitando o pretérito como opção. Que reste claro, ser sabido que só nos cabe o presente, e nada mais importa. Que saibamos acender as luzes do hoje para que se ilumine as manhãs vindouras com aquela mesma luz que brota d’alma.

Das regras fundamentas, quero destacar que não almejo que me cedas nada do que não lhe pertence de fato. Quero tão somente teu amor adjunto ao meu, em revisitação e construção constantes, para que, de tamanha força do processo, se faça fortaleza enchuvarada e inundada de luz a nos iluminar sem mais sofreguidão.

Ficando o dito pelo dito, fica decretado por fim, que amemos sempre nos entregar ao amor de forma plena, antes que a derradeira luz nos alcance, para nos levar para a eternidade, nos roubando a matéria, carne e entranhas, que outrora nos fez carnais e humanamente amantes enquanto duramos.

Joyce Alves Rocha