quinta-feira, 28 de julho de 2011

Tal qual a ostra e o vento...



Dia desses ouvi Chico e me lembrei do que senti vendo o filme (faz tempo isso, viu?)...
Fui assistir a “A ostra e o vento”[1]. Não sei quanto tempo faz, mas lembro que era mais jovem, mais insegura. Havia dentro de mim, tal qual a jovem protagonista, ao mesmo tempo o desejo por paixões loucas e o medo do abandono, medo de sofrer, medo do desprotegido sonho.
Alguns de vocês devem estar pensando – será que cabe tanta coisa dentro de uma pessoa? Outros devem estar pensando – e daí, normal, é só não pensar sobre essas “coisas” que elas desaparecem.
Foi assim, tal qual esse último pensamento, que me mantive “sã” por tanto tempo (ao menos desta forma eu achava). Assim me mantive antes e depois do filme, pois o guardei até agora, quando estou prestes a fazer 40 anos. Talvez só presentemente esteja pronta para entendê-lo e deixar o vento correr.
Mas naquela ocasião, quando me deparei com o filme, bateu uma angústia difícil de explicar. A jovem, presa a uma ilha na qual só havia um farol, na companhia de um pai super protetor que a amava (logo, não lhe faltaria proteção), sentia-se enlouquecida de paixão. Infelizmente faltava concretude à sua paixão. Não era palpável, não era fácil, não era possível. Tratava-se do vento!
Sim, o vento que a atordoava durante todo o dia, entrava pela casa a fora, fazia-a ansiar por viver paixões fortes como ventania, sair da concha onde aquela ostra habitava, e tomar novos rumos com as correntes que transportavam aves, aeronaves, folhas e sonhos. Ela temia aquilo. Ela desejava aquilo. Ela não podia revelar aquilo. Ela gemia com aquilo. Ela dialogava em silencio com aquilo. Justo aquilo que a fazia enlouquecer.
Ela queria voar livremente com seu amor Saulo, mas temia que ao sair da ostra da proteção do pai, tudo fosse perdido. Ela temia que as correntes recheadas de poeira pudessem embaçar-lhe a vista. E, caso um cisco a penetrasse, temia fecundar de sonho para fugir dali.
Sinceramente, não me lembro de como o filme terminou (tão logo acabe de escrever minhas “obrigações profissionais” prometo voltar ao ponto que paro agora), mas lembro que perdi parte do filme sufocando com tanto vento.
Saí da sala com uma estranha sensação de que o vento poderia me fecundar também. Fechei meus poros. Tive medo. Saí com verdadeira falta de ar, desejando ar livre, livre daquilo que me motivaria a voar. Afinal, o que faria se tivesse medo de voar?
Pois é, como medida de proteção, atei-me aos cintos de segurança de minha concha e decidi acalmar a ventania dentro de mim e a que vinha para dentro de mim. Optei por apagar possíveis asas que insistiam em me mostrar outros caminhos. Vez em quando, fugia, fugia para ver se o vento me levava de forma desavisada, mas isso não aconteceu, ou se aconteceu, achei que estava sonhando ou ficando louca.
Ao longo desses últimos anos, precisei desenhar e redesenhar asas fortes e firmes. Precisei alçar vôo que sentisse estar verdadeiramente dominando o vento, pois descobri que posso usar e abusar tanto das brisas quanto das ventanias. Bastou apenas (não que isso seja pouca coisa) aprender a voar com a propriedade que nasceu dentro de mim, dentro do meu plano de vôo, para isso se tornar possível. Descobri que precisei tornar-me livre e ser feliz comigo mesma. Me achei capaz em mim.
Hoje, não me sufoco mais. Hoje não me sufoco com excesso de vento, aprendi a tapar o nariz na hora certa. Hoje tracei vôos longínquos. Hoje saí da concha. Hoje me sinto forte e madura para saber até onde posso ir, pois descobri que a concha dificultava meu andar Agora, seja voando, caminhando, mergulhando... sou eu quem traço meu caminho, muito embora continue amando o Saulo (...o vento se chama Saulo, que apaixonou a Ostra).
Joyce Alves Rocha – direto do vento

[1] “A ostra e o vento” é filme brasileiro de 1997 dirigido por Walter Lima Jr. com roteiro adaptado por ele mesmo e Flávio Tambellini, baseado no livro de Moacir C. Lopes. A direção de fotografia é de Pedro Farkas, a trilha sonora é de Wagner Tiso, e a canção-tema é de Chico Buarque e está no CD As cidades.

2 comentários:

Eliana Tavares disse...

Li em algum lugar que "E preciso ser leve como o pássaro, não como a pluma". Sempre gostei de te vet de asas abertas!
Beijosssssssssss

Edney Rocha de Oliveira disse...

Belíssimo texto! Fiquei emocionado!Parabéns por sair da concha e alçar voos longos e altos...